OGM e Tomates Roxos


Muito obrigado time iGEM Unicamp Brazil
por traduzir o artigo para portugês.


Você está andando pelos corredores do supermercado para fazer as compras da semana. Quando você chega na seção de tomates, vê uma coisa incomum. Estes tomates não são vermelhos, mas roxos escuros!

IMAGE FROM NORFOLK PLANT SCIENCES

Um caso como esse pode não estar tão distante assim. Em 2008, a Prof. Cathie Martin, cientista do centro John Innes no Reino Unido, cultivou com sucesso tomates roxos escuros. Tal feito foi alcançado mediante a incorporação de dois fatores de transcrição do snapdragon no genoma do tomate [2]. “Fatores de transcrição” são partes do DNA, que influenciam na forma pela qual outros genes estão sendo lidos. Como resultado, estes tomates produziram quantidades significativamente maiores de antocianina, um pigmento nativo de mirtilos, berinjelas e, em certa quantidade, nos tomates comuns. Este pigmento confere uma cor roxa bastante marcante. Mas ele tem muito mais benefícios do que apenas uma aparência bonita! A antocianina é também um valioso antioxidante que tem funções anti-inflamatórias e que também reduz o risco de câncer!

Então, estes tomates coloridos existem desde 2008, mas por que você deveria saber sobre eles agora mesmo? Isso porque em 7 de setembro de 2022, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos publicou uma declaração, dizendo que estes tomates são “improváveis de apresentar um risco maior de pragas vegetais em comparação com outros tomates cultivados”, o que não os torna mais sujeitos à regulamentação. Este é um enorme passo em direção à engenharia genética das culturas! Em breve estes tomates roxos poderão ser permitidos para o cultivo em grandes fazendas e até mesmo para o cultivo privado em endereços residenciais. Para divulgar seu produto ao público, Cathie Martens fundou uma empresa chamada Norfolk Plant Sciences, junto com o Prof. Jonathan Jones, e em 2023, eles querem vender os primeiros tomates cereja roxos em mercados-piloto selecionados. Em algum momento, cidadãos americanos poderão até comprar sementes para cultivarem seus próprios tomates recheados com antioxidantes no quintal de suas casas!

Outro aspecto interessante é que estas culturas foram projetadas para atrair os consumidores finais como eu e você, e não os fazendeiros ou empresas. Em primeiro lugar, estes frutos são obviamente roxos, de modo que o fato de serem geneticamente modificados não só é super transparente para os consumidores, mas faz parte do seu apelo comercial. O efeito desta engenharia genética é totalmente direcionado ao comprador no final, não se trata de um cultivar mais resistente e também não é nenhuma forma de crescimento melhorado; é apenas um tomate mais saudável e colorido. Em poucas palavras, ao ir à loja, você poderá dizer imediatamente que estas culturas foram geneticamente modificadas e verá também que estas mudanças foram feitas para criar um tomate mais saudável para você enquanto cliente! E a cereja do bolo é que os primos roxos de nossos tomates vermelhos comuns têm uma vida útil melhorada, portanto, em casa, eles permanecem frescos o dobro do tempo que os tomates clássicos!

Estes tomates parecem incríveis, por que não foram desenvolvidos anos atrás? Bem, na verdade eles foram sim desenvolvidos há muitas décadas, mas na época eles foram feitos para serem maiores e com um maior rendimento ao invés de serem roxos.

Por milhares de anos, as colheitas foram cultivadas e modificadas para atender às exigências e desejos humanos [3]. Isto tem sido feito através do cruzamento selecionado e seleção artificial, para dar maiores rendimentos, maior vida útil, ou até mesmo crescimento mais rápido para as culturas. Por exemplo, a planta amplamente cultivada que hoje chamamos de milho era antes da intervenção humana muito diferente do que conhecemos [4]. O milho foi originalmente domesticado a partir de uma espécie de grama chamada teosinto, que produzia bem menos alimento do que o milho que conhecemos hoje.

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Mais recentemente, uma nova forma de modificar plantas (e outros organismos) foi desenvolvida: trata-se dos organismos geneticamente modificados (OGMs). Através da biologia sintética, todo o processo de modificação genética de culturas tem sido muito acelerado, fornecendo não só mais controle sobre as mudanças a serem inseridas, quanto permitindo que novas modificações úteis – antes muito difíceis de serem introduzidas – agora sejam possíveis. No entanto, como mencionado anteriormente, por que OGMs têm que ser aprovados antes de serem utilizados comercialmente, enquanto as culturas modificadas por métodos mais clássicos não?

Bem, como muitos de vocês devem saber, há um debate contínuo sobre se os OGMs são bons ou ruins para os seres humanos e o meio ambiente. Há argumentos válidos para ambos os lados. Vejamos um exemplo. Digamos que você deveria modificar geneticamente uma cultura em larga escala, para que eles produzissem naturalmente seu próprio pesticida. Os agricultores não precisariam mais abastecer as colheitas com pesticida, o que lhes pouparia tempo e dinheiro. Entretanto, o pesticida produzido pela cultura poderia não só afetar as pragas visadas, mas também organismos não previstos como borboletas, ou abelhas; polinizadores. A cultura geneticamente modificada economizaria tempo, dinheiro e recursos, mas reduziria a população de organismos polinizadores.

Este exemplo pode soar muito familiar, e isso porque se baseia no milho BT: uma cultura projetada para produzir seu próprio pesticida [4]. Especulou-se que este pesticida poderia afetar a borboleta monarca; um polinizador não-alvo. Essa possibilidade gerou grande comoção pública, e fez com que vários cientistas independentes analisassem o caso. A conclusão deles foi que a borboleta monarca não seria significativamente mais afetada pelo pesticida do que seria de pesticidas químicos convencionais.

Isto traz à tona um tópico importante dentro da biologia sintética: “Biossegurança” e “Biosseguridade”. Os dois termos estão intimamente ligados, com uma pequena diferença fundamental. Em essência, biossegurança é o manuseio de material biológico para proteger os seres humanos e o meio ambiente no caso de um vazamento. A biosseguridade é o processo de minimizar o risco de furto, mau uso, perda ou liberação não autorizada de OGMs na natureza. Em resumo, biossegurança é a proteção dos seres humanos e do meio ambiente contra organismos, e biosseguridade é a proteção do organismo contra pessoas mal intencionadas.

Ao modificar os organismos, especialmente se planejar libertá-los, é muito importante pesquisar e encontrar qualquer potencial efeito imprevisto do organismo na natureza. Deve-se também encontrar maneiras de implementar medidas de segurança no organismo/técnica, minimizando o risco de uso indevido. No caso do milho BT, o OGM, em última análise, não apresentou nenhum efeito adverso aos não-alvos. No entanto, se a biossegurança tivesse sido avaliada em mais detalhes e um relatório fosse publicado junto com a planta, então o clamor público poderia ter sido evitado, reduzindo a desconfiança do público em relação aos organismos geneticamente modificados.

Levar em conta a biossegurança no desenvolvimento de culturas de OGMs pode, entre outras coisas, melhorar muito a opinião pública e aumentar a vontade de experimentar OGMs, como o próprio tomate roxo. Eu sei que eu irei comprá-los se os ver no mercado!

Fontes

[1]: https://www.wired.com/story/a-gmo-purple-tomato-is-coming-to-grocery-aisles-will-the-us-bite/

[2]: https://edition.cnn.com/2022/09/17/business-food/purple-tomato-gmo-scn-trnd/index.html

[3]: https://www.fda.gov/food/agricultural-biotechnology/science-and-history-gmos-and-other-food-modification-processes

[4]: https://en.wikipedia.org/wiki/Zea_(plant)#Origin_of_maize_and_interaction_with_teosintes

[5]: https://www.ars.usda.gov/oc/br/monarch/index/

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