Somos responsáveis pela pandemia do SARS-CoV-2?

Fonte de inspiração: “Les futures épidémies que nous vivrons” (Futuras epidemias que ainda vamos viver) do canal Dirty Biology.

Atualmente, nosso planeta está ameaçado pelo modo de vida da sociedade. Algumas pessoas tentam proteger a Terra mudando seus hábitos para não afetar tanto o meio ambiente: comer menos carne, evitar voar, etc… No início de 2020, nosso comportamento mudou drasticamente. No entanto, não foi causado pela mudança climática: é o resultado da pandemia do SARS-Cov-2. Levando em conta o desenvolvimento desses eventos, a importância de mudarmos nosso comportamento tem como objetivo não só diminuir a interferência humana no clima, mas também para prevenir futuras pandemias que poderiam ameaçar a humanidade.

Três fatores principais:

Pandemia é um tipo de doença que afeta uma grande parte da população em escala global. Há três fatores principais que podem entrar em jogo quando se trata do aparecimento de novas doenças deste tipo, e todos os três serão detalhados neste post.

Tem-se observado que algumas regiões equatoriais, notadamente na Ásia e no Oceano Pacífico, enfrentam epidemias mais graves, e de forma mais frequente quando comparadas com outras partes do mundo [1]. Isto pode ser explicado especialmente pela alta biodiversidade nesses locais (quantos tipos diferentes de animais, plantas e bactérias estão presentes), o que é o primeiro fator.

A segunda é a mobilidade que se desenvolveu graças à atividade humana. Desde o início, o Homo sapiens tem viajado cada vez mais, e hoje todos os cantos do mundo estão conectados.

O terceiro e último fator é o nosso modo de vida. Os humanos começaram como caçadores-coletores no período paleolítico, mas graças ao desenvolvimento da agricultura, conseguiu-se estabelecer assentamentos permanentes e o cultivo de alimentos.

Biodiversidade – um fator para futuras epidemias?

Como mencionado acima, a biodiversidade está correlacionada com a abundância de epidemias. De fato, quanto mais espécies diferentes, mais oportunidades ocorrem para que os patógenos se desenvolvam e se diversifiquem. Tal diversidade poderia permitir indiretamente a passagem de um vírus de uma espécie para outra através de um fenômeno chamado de zoonose [2], definido como uma doença infecciosa que passa de um animal para um humano. Este tipo de transmissão não é nova e vem acontecendo há muito tempo – estudos demonstram que 58% das doenças humanas vieram de animais. Em contraste dos apenas 26% dos patógenos humanos que são capazes de infectar animais selvagens e domésticos [1].

Uma maior biodiversidade, portanto, leva a um maior número de patógenos. Como resultado, poderíamos pensar que uma menor biodiversidade impediria o desenvolvimento de novos vírus. Este pensamento é parcialmente verdade, no entanto, a baixa biodiversidade é um sintoma de epidemias futuras [3]. De fato, a destruição de habitats naturais de numerosas espécies faz com que animais selvagens se aproximem da infraestrutura humana, onde alimentos e água são facilmente acessíveis. Esta nova proximidade favorece as interações entre humanos e animais, e assim também favorece os riscos potenciais de transmissão de um patógeno de um para outro. Abundância de micróbios potencialmente infecciosos (como vírus ou bactérias) e o risco de infecção zoonótica são duas noções semelhantes, mas não idênticas. De fato, se observarmos as repercussões da perda da biodiversidade [4] nas regiões equatoriais, vemos que elas resultam em doenças endêmicas de cada região. 

O seguinte exemplo é apresentado para ilustrar este conceito, que não é específico nem dos morcegos nem do desmatamento: existem outras espécies que podem levar a uma zoonose e existem outros distúrbios ecológicos ou climáticos que forçam a migração dos animais. Podemos facilmente imaginar uma situação como esta: o desmatamento faz com que os morcegos procurem um lugar para viver em nossos jardins, onde comem frutas e as contaminam com sua saliva (que contém vírus e bactérias). A partir deste ponto, o contato entre um vírus e um humano é apenas uma questão de tempo.

A abundância de microrganismos e a pequena distância entre os habitats dos animais e os humanos, provavelmente aumentarão o risco de uma nova epidemia.

pertubações ecológicas no habitat natural; migração forçada; animais selvagens em contato com humanos;

Nível de deslocamento global:

A atividade humana também está ligada à propagação de vírus vindos de regiões equatoriais. Antes de tudo, é importante diferenciar epidemias e pandemias. As epidemias são doenças que atingem uma grande parte da população, mas estão limitadas a uma região, país, ou outra, zona bem definida. Uma pandemia refere-se a uma doença que se propaga em uma população de um continente, ou mesmo globalmente. Desta forma, como os seres humanos viajam entre diferentes lugares, o risco de transportar uma doença é maior, o que aumenta o risco do desenvolvimento de uma pandemia.

Um exemplo conhecido é a peste negra, uma doença de origem bacteriana. A Peste Negra foi inicialmente transmitida aos humanos por roedores devido à grande seca na China no século XIV [5]. O calor e a falta de água fizeram com que os roedores selvagens migrassem para as cidades – e com eles vieram as pulgas, vetores da peste. Depois disso, a peste se espalhou pelo mundo pela estrada da seda, que costumava ligar a Ásia Oriental e a Europa, como mostrado na figura abaixo. Graças à popularidade desta rota comercial, a peste rapidamente se desenvolveu em uma das mais infames pandemias.

EUROPA; EGITO; SOMÁLIA; ARÁBIA; PÉRSIA; ÍNDIA; CHINA; oceano indiano; java;

O estilo de vida sedentário e o armazenamento de alimentos:

Estes novos surtos também podem ser explicados pelo fato de não sermos mais “caçadores-coletores”, e termos nos estabelecido como agricultores, cultivando tudo o que precisamos [6]. Tal sistema tem suas vantagens e desvantagens, que enfrentaremos à luz das epidemias.

No atual sistema de criação de animais (o sistema agrícola posto em prática que nos fornece carne e outros produtos derivados de animais), é possível controlar as condições nas quais os animais estão vivendo. Por meios como vacinação, diagnósticos e tratamentos profiláticos (tratamentos que previnem uma doença), protegemos o gado de doenças. Entretanto, selecionamos os animais que são mais rentáveis para nós, portanto, são geneticamente mais parecidos. Esta semelhança genética atua como um freio, retardando a seleção natural e resultando em todos os animais individuais que sofrem exatamente a mesma mortalidade e sintomas de um patógeno. 

Além da falta de diversidade genética, devemos levar em conta a falta de espaço – todos os animais estão em estreito contato. Isto pode então resultar em novas epidemias: se um animal adoece, ele facilmente conseguirá contaminar todos os outros. Isto aumenta o risco de uma mutação espontânea da doença. Uma mutação significa uma mudança no material genético do vírus ou da bactéria, e possivelmente uma mudança em suas características. Desta forma, ela poderia potencialmente se adaptar e infectar outras espécies, inclusive humanos [6].

É igualmente possível que um vírus se adapte inicialmente a uma espécie animal, chamada intermediária, antes de infectar humanos – neste caso, a espécie animal torna-se conhecida como um “reservatório” onde a doença pode permanecer até completar seu ciclo de vida em humanos (o “hospedeiro final”). Este foi provavelmente o caso do SARS-CoV-2, que poderia ter passado de um morcego, para um pangolim, para um homem [7].

Em um cenário ideal, depois de ter vivenciado a pandemia, a atividade humana tomará um rumo diferente, que levará ao consumo durável, preservando a biodiversidade, diminuindo o nível de gases de efeito estufa, prevenindo a mudança climática e o desmatamento. Talvez a humanidade tome este rumo para evitar a próxima nova crise global que se seguiu à pandemia do SARS-CoV-2, ou talvez nosso modo de vida permaneça como está e haverá mais e mais novas pandemias, mas não estaremos lá para testemunhar.

Referências:

  1. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3666729/#r6
  2. https://en.wikipedia.org/wiki/Zoonosis
  3. https://www.pnas.org/content/112/28/8667
  4. https://www.theguardian.com/world/2018/nov/17/habitat-loss-biodiversity-wildlife-climate-change
  5. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6775055/pdf/41467_2019_Article_12154.pdf
  6. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3666729/pdf/pnas.201208059.pdf
  7. https://en.wikipedia.org/wiki/Severe_acute_respiratory_syndrome_coronavirus_2
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